A imaterialidade da moda

A pandemia veio acentuar os erros da indústria da moda, o distanciamento social fez explodir o consumo online e aliando tudo isto à consciência sustentável, acredito que estamos perante um novo fenómeno - a imaterialidade da moda. Stocks parados, coleções vendidas ao desbarato e cancelamentos de “novas coleções”, o conceito de sazonalidade parece obsoleto. Ainda existem tendências? Como devemos prever o futuro, se o futuro é AGORA?

Tenho questionado a forma como pensamos a moda, os negócios e até a ideia de futuro. A pandemia obrigou-nos a olhar para o mundo como um todo, vivemos num sistema interligado e interdependente que prova estar cheio de problemas. O consumo sazonal e padronizado como sempre o conhecemos mostra como vivemos em “rebanho”. Talvez por isso se fale tanto em “desglobalização”. Um artigo do BoF dizia, “A previsão de tendências está-se a tornar menos arte e mais ciência.”

Na verdade, a moda sempre foi egoísta. Ela sempre foi pensada de forma unilateral. Analisamos a tendência, lançamos produtos com base nessa tendência, depois procuramos potenciais compradores e quando não conseguimos escoar, vendemos ao desbarato, desrespeitando toda a cadeia de valor e por consequência o planeta. Fará isto sentido?

A maioria das empresas adotam uma visão de curto prazo, mas não tão curto ao ponto de reagir dia-a-dia. É engraçado que quando pergunto a um cliente qual é a sua visão de futuro, a sua resposta diz mais sobre o futuro da sua empresa, do que o seu plano estratégico a 5 anos. Mas afinal como devemos pensar o futuro?

Apesar de não ser futuróloga e este artigo não estar a ser escrito para fazer uma previsão do futuro, acredito que haverá novas oportunidades nesta nova economia. No entanto, é necessário mudar o mindset.

A pandemia trouxe uma nova ideia de conectividade. Hoje vemos fábricas unirem esforços para venderem máscaras diretamente ao consumidor final. Já pensaram que pela primeira vez, a “marca” não tem relevância? Hoje vemos que é fundamental as empresas unirem-se e cooperarem entre si, para criarem valor ao cliente final. Neste processo, vemos a cooperação perfeita entre empresas de matérias primas, acabamentos, confeção e comunicação.

Dado este passo B2C (diretamente ao consumidor), estarão as empresas prontas para o next step? A moda “egoísta” que sempre conhecemos talvez tenha agora a oportunidade de “existir” de uma nova forma, a chamada Nova Moda.

As fábricas têm aqui uma oportunidade para criarem uma relação mais próxima com o consumidor final e colaborar.

Com a internet e as redes sociais, nós deixamos de ser consumidores passivos, para sermos consumidores ativos. Agora, esperamos interagir mais e encontrar soluções específicas. Na verdade a criação está cada vez mais democratizada, já não pertence ao génio do criativo, mas a todos nós. Estarão as fábricas prontas para co-criar?

Na verdade, todos os dias com os nossos dispositivos móveis, fazemos pesquisas, pronunciamos palavras e criamos um histórico dos nossos gostos mais expontâneos. O Google gera em milhões de data correspondente a informações disponibilizadas por nós em tempo real com a nossa localização, interesses, preferências, acabando por moldar o que vemos e influenciar o que consumimos. Esqueçam o conceito de privacidade, ela já não existe. Lembram-se deste artigo?

Empresas como a Amazon, Facebook ou Google colectam data e integram nos seus sistemas conseguindo prever “futuros” comportamentos e consumos. Apesar de assustador, esta conexão permanente permite também antecipar cenários, criando “menos” produtos obsoletos. Neste sentido, o “produto do futuro” não é o produto em si, mas sim uma solução em coordenação com a cadeia de valor e a big data.

Hoje em dia, se uma empresa de fotografia disser que as suas mais valias estão no critério de “qualidade” e nas “características intrínsecas” à máquina fotográfica, isto deixa de fazer sentido. Porque estas características estão diluídas na experiência e funcionalidade dada por um smartphone, permitindo autonomia e partilha instantânea.

O smartphone, já não é apenas um produto, ele faz parte de nós, é uma extensão do nosso corpo. De forma acessível, simples e barata hoje temos todo o tipo de aplicações, por isso pergunto-me: “Como ficará o papel da fotografia, se temos um smartphone com alta resolução?”; “Como ficarão as costureiras se temos os robots?”; “Como ficará o design de moda?”

Nos últimos anos, vimos o sector da moda evoluir para novos formatos. O marketplace Farfetch ou Revolve reunem data conseguindo antecipar “cenários inteligentes”, e prever consumos de compra, muitas vezes influenciando a produção de produtos com base na informação que disponibilizamos. A Rent The Runway ou a VIGGI por sua vez, através do aluguer permitem o acesso a produtos que têm uma vida mais longa. Existindo assim, partilha do mesmo produto junto de diferentes utilizadores. Já pensaram que a maior frota de automóveis não detém um único carro? A desmaterialização já está presente nas nossas vidas. Com a Uber e o Airbnb, deixamos de ser consumidores, para sermos utilizadores. Lembram-se do artigo sobre o fim da propriedade? Mas será esta a solução para a moda?

No meu entendimento, à conectividade, à co-criação e à cooperação, temos de acrescentar o distanciamento social. Ele veio acelerar o nosso consumo online, mas também uma nova consciência e proximidade com a “ideia” da morte. Por consequência, hoje o consumo quer-se distante, mais consciente, mais seguro para mim e para o planeta.

Apesar da Farfetch e a Rent the Runway darem-nos a possibilidade de adquirir produtos de uma nova forma, o consumo de produtos necessitam de um “contexto”. Se o meu “contexto” é estar em casa, fará sentido o tipo de produtos que estão presentes nestas plataformas?

Hoje estamos a privilegiar produtos mais amigos do planeta, que promovam a saúde e o bem estar. O design privilegia o conforto a elasticidade e a flexibilidade, talvez por isso a Pangaia esteja a fazer tanto sucesso. Talvez estejamos perante a atualização da tendência “normcore”, caracterizada por roupas despretensiosas, unisexo e com aparência normal. Já viram que a pangaia não distingue o sexo? o filtro diz “adult”.

O distanciamento social acabou com “o vestir“ para o outro e privilegia o vestir para “mim”. A tendência “normcore”, privilegia o conforto e a ausência de logotipos (tal como as máscaras não precisam de marca), no entanto continuamos online e esta presença traz novos desafios.

Como dizia a Margarida, “prefiro fazer um curso online do que comprar um livro, não quero ocupar espaço em minha casa”. Quando ouvi isto, pensei na moda. Queremos comprar, mas não temos espaço. Necessitamos de um estimulo e de individualidade, principalmente agora que as tendências parecem descabidas, e muitas vezes uniformizam o gosto, tornando-o global.

O consumo online está em crescimento e traz inúmeros desconfortos e inseguranças para o consumidor. Sizing, toque ou fitting, são alguns dos problemas.

É aqui que a desmaterialização da moda, ganha cada vez mais sentido com o 3D. Ela traz o fim do stock e a individualidade que tanto procuramos. E se pensamos que isto é algo distante, desenganem-se, porque todos os dias usamos filtros nas redes sociais, simulamos pestanas, blush, sardas, óculos... Tal como o smartphone é uma extensão do nosso corpo, a moda digital será a nossa segunda roupa.

Empresas portuguesas como a Didimo, atualmente estão a usar o 3D para criar avatares humanos, de forma a que consigamos comprar produtos à distância. As devoluções, são um dos maiores problemas do online e isto deve-se ao facto de não conseguirmos experimentar à distância, tal como fazemos num provador em loja física.

Se aliarmos o avatar digital aos produtos 3D da Platforme, como sapatos, carteiras e vestuário, estamos perante uma nova dimensão do consumo online, quebrando com todos os erros do passado, poupando milhões de euros em devoluções, em stock parados e em produtos obsoletos.

Marcas como a Gucci já usam a tecnologia 3D para vender produtos personalizados. A moda digital, elimina o conceito de stock, dando a possibilidade ao cliente comprar de forma bilateral. Em co-criação, é o consumidor que escolhe a sua combinação de cores, de estampado e de acabamentos. Num consumo convencional, quando somos consumidores “não interventivos”, entramos num processo de critica e de exigência para com a marca. Mas quando somos co-criadores das peças, o grau de envolvencia é maior e a devolução fica anulada. Lembram-se de vos falar sobre a Marca Undandy, no artigo o fim do stock?

A pandemia, na verdade veio acentuar as práticas inúteis do passado. A moda digital pode vir a ser a “moda” do futuro, permitindo a construção de roupas digitais hiper-realistas, junto de um consumidor que já está habituado à imaterialidade on-line.

Se o distanciamento físico está anular a venda de alguns produtos (vestidos de festa por exemplo…), a moda digital poderá trazer para o primeiro plano o consumo de produtos únicos e imateriais, para serem usados num contexto meramente digital.

Em Maio de 2019, a primeira roupa digital foi vendida por 9.500 dólares. Ela só existe num formato digital, trazendo exclusividade e quebrando com o próprio conceito de consumo de moda.

Tal como os filtros do instagram estão banalizados, o consumo de produtos “imateriais”, poderão vir a ser o novo normal, acelerando a nova moda, feita pela convergência de moda convencional e a tecnologia.

Com a digitalização da moda, a dimensão física da moda irá morrer? claro que não! Mas talvez alguns players nesta cadeia deixarão de fazer sentido. Hoje as fábricas já comunicam diretamente com o consumidor final! Para que servirá uma loja? Um agente? O merchandiser? O buyer? Se a big data já nos indica o que o consumidor quer comprar?

Talvez esteja a ser radical na anulação desta cadeia, mas a verdade é que nos aproximamos do chamado “prosumer”, o “produtor consumidor”.

Desta forma as fábricas tradicionais, têm aqui uma grande oportunidade junto do 3D. Elas podem iniciar a construção de bibliotecas de materiais digitais, e quem sabe abrir a novas áreas como a formação, é aqui que entra a portuguesa DDIGGIT. As fábricas podem e devem disponibilizar competências na área da prototipagem e modelação junto do consumidor. As fábricas querem-se mais digitais nesta Nova Moda.

As marcas internacionais já estão a dar sinais, atualmente algumas fábricas portuguesas já disponibilizam os seus protótipos em 3D, sendo apenas o primeiro passo para uma grande revolução. Esta tecnologia traz inúmeros desafios complexos, como o toque, o “cair” da peça, por isso uma das profissões do futuro serão as engenharias criativas, que unem o design, à física e à tecnologia :-)

A moda digital será mais sustentável para o futuro da indústria, das pessoas e do planeta. A imaterialidade irá acabar com a ideia obsoleta do stock, no entanto a Big data poderá condicionar a liberdade da imprevisibilidade e do próprio conceito do erro, porque as nossas escolhas serão condicionados pelo histórico do algoritmo.

Joana

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